22 março 2011

O chargista e o tsunami

Nos últimos dias, alguns chargistas foram criticados por “fazer piada” com a situação no Japão. Fiquei pensando sobre isso. Não se pode fazer charge sobre um desastre? Mas esses profissionais não são pagos pelos seus jornais exatamente para falar de atualidades? Cheguei a conclusão que a diferença está entre “fazer charge” e “fazer piada”.
            O termo “charge” vem do francês e significa carregar, exagerar ou “atacar violentamente”, como uma “carga” de cavalaria. (tirei essa informação do livro “Caricatura” do Joaquim da Fonseca). Mas não só por definição, historicamente a charge é uma forma de caricaturizar um acontecimento atual, realçando certas características e nuances para destacá-las, assim como quando se faz uma caricatura de uma pessoa. Para fazer uma charge é preciso entender profundamente a situação e, principalmente, ter uma opinião sobre essa situação para ser demonstrada. A charge serve para mostrar ao leitor a situação sob um ponto de vista que talvez ele não tenha , ou salientar algo que talvez ele não tenha se dado conta, e fazer isso de uma maneira bem humorada. Se o leitor vai concordar com a opinião do chargista ou não, aí já são outros quinhentos.
            Sim, o chargista do jornal deveria ser mais um “colunista” do jornal. Aquele que é pago para analisar os acontecimentos e expressar opiniões (e receber milhares de cartas de pessoas que amam as suas idéias ou que o odeiam profundamente) e não um “humorista”.
O problema é que fazer isso é difícil. É preciso ter opiniões, é preciso pesquisar e é fundamental estar disposto a ser criticado, afinal quem critica tem que ter disposição para ouvir críticas. É muito mais fácil (para o chargista e para o editor do jornal) fazer piadas sobre os lugares comuns e não apresentar nada de novo para o leitor.
            E é assim que são (muitas, não todas) as charges que tenho visto nos jornais. Como disse um amigo meu, “não leio mais charges, pois elas se transformaram em chutar quem está caído”. Só se fala mal de quem já está derrotado pela opinião pública. O caminho foi distorcido. O chargista não é mais um formador de opinião, alguém que apresenta idéias para o leitor, ele virou alguém que faz piada reafirmando o senso comum a respeito de um assunto... quando chega a reafirmar um senso comum, porque muitas vezes nem a isso ele chega.
            Mas e o Japão? O que falar sobre o Japão? É possível ter um posicionamento crítico sobre um desastre natural? Acho que não. Podemos ter um pensamento crítico em relação às coisas humanas, por exemplo, o preparo que os japoneses tem para essa tipo de evento e a comparação com o que aconteceria se algo parecido sucedesse no Brasil. Criticar a forma como o Brasil, o governo e o povo brasileiro reagiriam a essa desastre. Isso talvez desse boas charges.
O trabalho do chargista é analisar os fatos (no caso, o tsunami, o acidente nuclear, etc) e as reações das pessoas em relação a eles. O resto são desenhistas que não entendem a própria profissão fazendo piada sobre o desastre e perdendo uma ótima oportunidade de falar sobre o ser humano.

9 comentários:

Luiz Augusto disse...

COMANDOU!

Leleu de Ouro Preto disse...

Simplesmente fantástico. Gosto de ler seus comentários pois são devidamente fundamentados e bem expressados. Continue assim. Aprecio sobremaneira seu trabalho.

E, se possível, manda mais uma daquelas crônicas incríveis!!!

raquel alberti disse...

curti!

Fabio disse...

mt bomo texto! faltou só um link pra charge polêmica.

Leon disse...

"[...] e fazer isso de uma maneira bem humorada." Me diz, como se faz uma charge sobre um desastre natural que matou mais de 10 mil pessoas "de uma forma bem humorada"?

Rodrigo Chaves disse...

Leon, leia charge que eu coloquei no post anterior. É uma charge sobre o Tsunami de uma forma "bem humorada".
Abraço

CtrlAltVidel disse...

Apesar de já ter várias conversas desse tipo estarem rolando por aí, vai um exemplo que escrevi agora:

"Politico: O povo japonês é um povo forte, acredito que em menos de 4 anos, já teremos o japão reconstruido"
Reporter: senhor politico, e quanto a reforma do maracanã para as olimpiadas de 2016?
Politico: Bem, como vocês sabem, é um tempo muito CURTO pra uma obra de tamanha magnitude...."

Pronto Leon, ta aí um exemplo pra sua pergunta! O Foco do autor do texto não tem nada haver em fazer graça em cima da desgraça alheia! Como se evitar o assunto, ou não abordar fosse amenizar alguma coisa!

Leon disse...

Acho que não fui claro, o foco das charges que vcs passaram sobre isso não é o desastre em si, mas o contexto da coisa. A charge que o Rodrigo disse foca na falta de escrúpulos de empresários e o seu Videl foca no desleixo do nossos políticos, isso é o certo. Sacaram?

Rodrigo Chaves disse...

Leon, aí entra o que eu disse no texto: "É possível ter um posicionamento crítico sobre um desastre natural? Acho que não." Podemos ter um pensamento crítico quanto ao "contexto da coisa", como disseste.
Eu não vejo como possa ser feita uma "charge bem humorada" falando diretamente do desastre sem ser uma coisa de muito mau gosto.
abraço