07 julho 2009

Cadê o público que estava aqui?

Como as pessoas que acompanham o blog aqui sabem, sábado eu fui a um encontro de quadrinhistas em Canoas e estava na pauta o mercado de quadrinhos no Rio Grande do Sul. Conclusão unânime foi: não existe público (leia-se “o público é restrito a outros quadrinhistas e meia dúzia de aficcionados”). O mercado editorial para quadrinhos no RS é um fiasco (assim como o do resto do Brasil). Me lembrei de um primo meu que tinha uma lojinha que vendia quadrinhos, principalmente fanzines, e uma vez ele reclamou para mim “Pô, o pessoal vem aqui, dá uma olha e diz ‘que legal!’, mas não compra porque custa 3 pila. Daí sai na noite e gasta 50 pila em cerveja”.

Voltando ao assunto, a grande reclamação dos quadrinhistas é a falta de público. “Ninguém está acostumado a ler” dizem uns. Mas o que eu acho sintomático é que essa é uma reclamação que escuto em todas as áreas artísticas em que circulo: “Não tem público”. Escuto essa mesma história vinda dos meus amigos artistas plásticos. “Só quem vai a exposições são outros artistas plástico, amigos e família de quem estiver expondo” (digo por experiência própria que são sempre as mesmas pessoas que eu vejo nas vernissages). A mesma coisa acontece com o pessoal do teatro que conheci. “As pessoas não vão ao teatro”, ou “falta a educação e o hábito de ir ao teatro”, ou ainda “as pessoas só vão ao teatro se tiver atores da Globo no elenco”.

Ok, ok, então vamos admitir que é um fato que as artes não tem público, e muito menos tem um grande público disposto a pagar por elas. Mas a culpa é de quem? O que os artistas podem fazer para mudar esse quadro? É muito fácil ficar chorando e colocando a culpa nas famílias que não educam suas crianças, nas escolas que não são as ideais, no governo que não dá os incentivos à cultura que deveria (não só os financeiros)....

Há uns anos atrás, uma grande crítica de teatro brasileira veio a Porto Alegre para uma palestra e disse algo que considero essencial. A frase dela foi algo tipo “A responsabilidade pela formação de um público de teatro é de cada grupo que monta uma peça”. Algo um tanto óbvio, mas que muitos artistas não se dão conta. Como assim? A coisa é bem simples. Vamos ao exemplo didático:

Carlos não tem o hábito de ir ao teatro. Um belo dia, uma amiga de sua namorada vai participar de uma peça e convida os dois para irem assistir. Carlos e sua namorada se arrumam, saem de casa, vão até o teatro, pagam a entrada.... e a peça é uma droga. Resultado: Carlos e sua namorada nunca mais vão ao teatro, ou pelo menos vão demorar alguns anos para voltarem. A montagem que a trupe da amiga da namorada de Carlos fez acabou prestando um desserviço ao teatro.

Simples assim. Agora é só trocar o “Carlos não tem hábito de ir ao teatro” por “ir a exposições” ou “ler quadrinhos” ou qualquer outra coisa. É assim que se forma o público, fazendo ele ter experiências que valham a pena o investimento de tempo e dinheiro. Sim, o público está investindo seu dinheiro e seu tempo (sem falar do investimento emocional) quando deixa de fazer outra coisa para ir a um evento artístico ou ler alguma coisa. Se essa experiência não der retorno para ele, ele concluirá que não vale a pena, que “não gosta” daquele tipo de arte e assim se perde um pessoa que era público em potencial.

Vou pegar o exemplo de Porto Alegre, que conheço bem. Por aqui é possível ir a mais de uma exposição de arte por semana, ou ir a mais de uma peça de teatro por semana. Agora, quantos desses eventos realmente valem a pena? Quantos deles não são um desserviço às artes? Sinceramente, eu costumava ir bem mais a exposições de arte do que vou hoje, porque? Tenho ido cada vez a menos exposições porque a maioria das que vou não vale a passagem de ônibus que vou gastar para chegar no local. Gostaria muito que houvesse menos exposições, mas que cada uma delas fosse mais trabalhada, fosse algo que valesse a pena. Não só por mim, mas por todo o público. Todo o público que é espantado do universo das artes por exposições toscas, peças de teatro vergonhosas, HQs que não valem o papel onde foram impressas e por aí vai... Longe de mim dizer que tudo o que se produz por aqui é ruim. Existem exposições lindíssimas, peças maravilhosas e HQs que realmente justificam o termo “nona arte”, mas como o grande público pode diferenciar uma coisa da outra? (talvez a resposta seja "crítica de arte", mas isso é outro texto) O “Carlos” da nossa história anterior teve a infelicidade de ser convidado para uma peça horrível e isso acabou com um expectador em potencial. Da próxima vez que ele tiver que decidir entre ir no cinema assitir filme americano enlatado ou ir a uma peça de teatro local, certamente ele irá ao cinema. E a culpa é da sociedade que não educa as pessoas para gostar de arte? É culpa do governo que não dá espaço? Talvez, mas também é culpa da amiga da namorada dele que fez uma peça espanta-público. E acredite, existem muitos “Carlos” por aí.

Talvez falte autocrítica para nós artistas na hora de mostrar o nosso trabalho. Normalmente estamos tão ansiosos para mostrar nosso trabalho que não paramos para pensar se nós mesmos, se fôssemos público, gostaríamos de ver aquilo. Não paramos para pensar se nós e o nosso trabalho merecemos o investimento do público.

20 comentários:

Alexandre disse...

Concordo, em partes, Rodrigo...
Aliás, até concordo bastante, mas acho que o povão, em geral, não se interessa por cultura, mas não considero que seja pelo desserviço das companhias teatrais/expositores/seja lá o que for.
Veja meu exemplo: moro numa cidade de porte médio do interior de São Paulo (+ou- 200 mil habitantes), cidade com poucas atrações culturais.
Mas aqui tem um projeto do Sesi chamado teatro popular, onde grupos teatrais percorrem os SESIs do interior do estado, numa espécie de rodízio, de forma que toda semana tenhamos toda semana peças teatrais aqui (por sinal, ótimas, com grandes atores).
Percebo que o público, em geral, é composto pelo pessoal que mora pelas redondezas (periferia) que, convenhamos, não são os formadores de opinião.
Não vejo o pessoal dito "intelectualizado", "formadores de opinião" frequentando o lugar.
Entretanto, estes vivem reclamando de que a cidade não tem atrações culturais!! Ora, injusto, pois não privilegiam os que existem...
Mas quando aparece qualquer porcaria com ator da Globo, aí esse povo lota.
Agora me diga: qual o estímulo para aqueles que produzem cultura a continuar produzindo, a não ser pelo amor à arte?
Vivo chamando amigos para assistirem comigo as peças (amigos advogados, médicos, juízes como eu) e estes nunca vão! Só aparecem no teatro quando tem ator global...
Entendo isso como mero reflexo da superficialidade da intelectualidade deste país.

Blé disse...

Parabéns pelo texto! Realmente, é algo que ninguém se deu conta ainda: os meios de produção e divulgação de artes aumentaram muito, mas todo mundo achava que o público aumentaria junto. Lógico que não. Todos querem ver coisas boas, e falta coragem para admitirmos (eu sou músico) que não temos mais desculpas. Se antes diziamos que "a mídia não divulga" ou "não temos espaço", hoje todos esses conceitos acabaram. Mais uma vez, parabéns!

Anônimo disse...

Bom
sou quadrinista e artista plástico
o que você coloca é bem verdade
As vezes o material e a produção artística que chega até as pessoas é tão ruim que desanima.
a própria arte contemporânea parece não se preocupar com o público. A maioria dos artistas está imbuída em buscas prioitariamete individuais e que, não raro, produzem resultados insatisfatórios até, e principalmente para o único público que acompanha as exposições, ou seja, os próprios colegas artistas. Quem derá àquelas pessoas que eventualmente vão até uma galeria ou um museu, compram uma revista em quadrinhos ou qualquer outro produto cultural e tem suas espectativas frustradas. As vezes eu me sinto lesado como artista e consumidor ao ver algumas coisas que acontecem no meio cultural brasileiro, seja erudito ou popular.

Mudando de assunto...
iniciei a pouco um blog de tiras
ficaria feliz se fizessemos uma parceria
apareça por lá e de uma olhada nos trampos,

Abs

www.ilustrandotudo.blogspot.com

Señor Martini disse...

Em parte é muito verdade o que tu disseste, mas o público também tem a sua parcela de culpa nessa história toda. Falemos de produtos, afinal, cultura nada mais é que um outro produto que se compra e se paga caro. Se o Carlos comprar uma cerveja e achar que o sabor for horrível, ele não vai deixar de beber cerveja por muito tempo, ele vai, simplesmente, comprar uma outra marca e seguir bebendo a sua cerveja. Por quê? Porque Carlos precisa beber cerveja. A outra pergunta que fica é: e por que Carlos não volta ao teatro para tentar uma outra companhia? Porque Carlos não precisa de teatro, não precisa de arte e talvez nem precise de cultura (o que é um equívoco colossal!). Ele liga a TV e assiste a uma novelinha furreca ou baixa toda a série "desejo de matar" e passa um bom momento em casa, de pijamas, bebendo a cerveja da marca que ele gostou. O artista tem que se preocupar com o seu público e atander as suas expectativas, mas o público também tem que aprender a ser crítico e buscar na arte algo que lhe agrade, tem que aprender a discernir o que é 'bom' e o que é 'ruim', ainda que sejam conceitos puramente pessoais. Desistir na primeira tentativa é fácil. A culpa é generalizada, é um ciclo vicioso que deveria ser quebrado, a pergunta é: como? Eu acho que é uma questão individual.

raquel alberti disse...

concordo totalmente contigo, rodrigo. eu acho que analisando mais profundamente talvez a gente descubra que a grande questao porque tem muita coisa sem qualidade sendo mostrada é a falta de educação e a pouca quantidade de investimento na área cultural mesmo. porque esses artistas que estao fazendo essas merdas aí estão acreditando no que estão fazendo, estão levando a sério e investindo bastante no seu trabalho. só que essas pessoas já não tiveram uma educação cultural legal em casa e nem na escola, e simplesmente não tem "lastro" pra coisa. e aí a gente vê que isso é um ciclo, que não tem fim...
tem espaço pra quem tem trabalho legal e tem público pra isso, só é mesmo restrito pq pouca gente mesmo tem condições de ser esse tipo de produtor de cultura e de ser esse tipo de público...

Carlos disse...

Mas a peça era mesmo uma droga!

Elvis N. disse...

Vou dar minha modesta opnião: Em um país aonde os estudantes não repetem de ano(vem vindo aí uma geração de ignorantes), os analfabetos já passam de 20 milhões e a cultura não tem nem 1% na participação no orçamento nacional, fica difícil esperar que o povo consuma arte nesse país. Por outro lado, tem muita gente medíocre fazendo "arte". A quantidade é tão grande, que fica difícil achar algo bom.

Luiz Augusto disse...

Não concordo nem discordo, muito antes pelo contrário!

Alexandre Carvalho disse...

Eu me gosto, e está acabado! 8)*

Belo texto, caríssimo. Foi um prazer ter estado com o amigo em Small Boats, no tal encontro.



Há braços, pois!

Vanderlei disse...

Se este grande mal se extendesse aos quadrinhos, que são uma arte extremamente segmentada infelizmente... Mas não, ele se extende, como muito bem observado, às artes em geral. Seja o teatro, as artes plásticas, mesmo com a música se tem este problema!
Na música independente, a chamada cena, que envolve não só músicos, promovedores de eventos, mas coletivos dedicados a ela, acontece o mesmo: o público é apenas os organizadores e as bandas, que visitam umas às outras.
Os interessados, quando surgem, em algum momento se dão conta de quão minguada é a arte e se dedicam a ela, passando também a ser artistas ou incentivadores da arte.
Contagiar o público novo, é complicadíssimo. E não vislumbro uma resposta tão lógica para conseguí-lo.

Anônimo disse...

Ás vezes, nem é questão de falta de qualidade por parte do artista. Ás vezes esse "Carlos" que vai assistir o teatro não tem sensibilidade para entender, porque simplesmente ele não está acostumado com a arte. Quantas vezes arrastei meu namorado para o teatro, assistimos peças fantásticas com um humor muito inteligente, e ele falava que era sem graça. Ele não entendia as piadas, não entendia o humor sutil porque está acostumado com Zorra Total e Diogo Portugal contando piadinhas.

Unknown disse...

Olá Rodrigo, ótimo texto meu caro e adorei as tuas idéias, concordo plenamente. Mas aumento o leuqe um pouco, não só aqui no Brasil, em muitos países é a mesma coisa. mas no Brasil tem um porém, a "cULTURA" herdada desde a colonização. O processo vai demorar mas acho que existe um luz no horizonte....bem longe mas existe...hehehe! Abraço!

Anônimo disse...

Parabéns, Rodrigo, teu texto mexeu mesmo com os leitores, gerou muitos comentários! Da discussão nasce a sabedoria.

Anônimo disse...

Ô =Deyse, por quê você está com um namorado que precisa ser arrastado para peças fantásticas cujo humor inteligente ele não entende? Você merece algo melhor...

Unknown disse...

É isso aí Aleja! O artista não pode culpar o público por não gostar de sua arte. Ao mesmo tempo o artista não deve fazer arte para tentar agradar a maioria sempre.

pensador disse...

...que, afinal, a Arte é necessária... (se ao menos eu soubesse para quê...)

Arte-é--pra-viado disse...

'...não compra porque custa 3 pila. Daí sai na noite e gasta 50 pila em cerveja”.'

o dia que eu ficar bebado e pegar uma mulher lendo quadrinhos, eu pago 50 conto

Unknown disse...

Ô anônimo, a Deyse não precisa arrastar seu namorado pro teatro não rapaz, além disso ele nem gosta de Zorra Total e praticamente desconhece Diogo Portugal, foi um leve exagero da parte dela.
mas tudo bem.... ela sempre esquece das coisas mesmo.

Pedro disse...

Arte-é--pra-viado disse...
'...não compra porque custa 3 pila. Daí sai na noite e gasta 50 pila em cerveja”.'

"o dia que eu ficar bebado e pegar uma mulher lendo quadrinhos, eu pago 50 conto" - esse sabe mesmo!!!

Aleja, o negócio é cerveja, umas garotas de vida fácil, e ingresso a 50 pila!!!

Se quiser eu arrumo umas minas, haushaushaushu


abraço

M. Ulisses Adirt disse...

Não t/ como não concordar com cada vírgula sua, Rodrigo. Aproveitando, fica um texto meu comeo adendo ao seu: http://incautosdoontem.opsblog.org/2009/07/07/apoie-o-seu-artista-preferido/